quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Maria Raimunda, líder do MST no Pará, ameaçada de morte

Edinaldo Souza
Sem medo de assumir a frente do Movimento dos Sem-Terra em um estado que eles são mortos pelos fazendeiros, Maria Raimunda segue em frente
A frase foi dita em uma reunião entre latifundiários de Marabá, a 685 quilômetros de Belém: para enfraquecer o movimento dos sem-terra no sudeste do Pará, bastava tirar quatro pessoas do caminho. Uma delas era Maria Raimunda César de Souza.
Maria Raimunda não ficou surpresa ao ouvir o veredito dos fazendeiros dias depois da reunião. Aos 39 anos, já foi ameaçada de morte, teve a prisão decretada em algumas ocasiões e sabe que é uma pedra no sapato deles. Afinal, ela é a diretora nacional do MST no Pará.
Em 2008, ela recebeu de um amigo um recado para se afastar de ações no município vizinho de Parauapebas. Um policial militar havia sido sondado para executar Maria Raimunda e outras três lideranças do MST na região. O policial a conhecia e não topou a empreitada. Pediu para avisá-la do risco que corria.
Viver sob esse tipo de tensão não é novidade para Maria Raimunda. Ela nasceu em Marabá, mas cresceu em Brejo Grande do Araguaia, a 100 km de Marabá. Era o auge da Guerrilha do Araguaia e a cidadezinha vivia com medo. “Quem mandava era o Exército. Toda a cidade era vigiada. Todos tinham que dormir em esconderijos subterrâneos por causa dos ataques de bomba. Eu fui crescendo nesse ambiente”, lembra.
No auge do conflito, a casa de farinha no quintal da casa em que morava com os pais foi escolhida pelo Exército para servir de alojamento aos soldados. Com o fim dos combates, a residência passou a ser apoio de padres e freiras, principalmente dominicanos. O temido major Curió (ex-prefeito de Curionópolis) era presença constante em Brejo Grande do Araguaia. Junto aos ex-guias do Exército durante a campanha de combates aos guerrilheiros, Sebastião Curió impunha o terror.
“Minha opção de vida foi escolher entre o medo de calar e a defesa dos direitos humanos. Optei pela segunda via”, diz Maria Raimunda. A decisão veio cedo. Com menos de 12 anos, na primeira metade dos anos 80, já participava das comunidades eclesiais de base da igreja católica. Acompanhou marchas e mobilizações num período em que os crimes de pistolagem e a luta pela posse da terra atingiram o ápice no sul e sudeste do Pará.
Em 1993, Maria Raimunda mudou para Marabá para cursar Letras na Universidade Federal do Pará. Um ano depois, ingressou no Diretório Central dos Estudantes (DCE). Era uma época de embates entre o MST e os latifundiários. Em Parauapebas, a fazenda Palmares era uma das primeiras ocupações em que o MST e as milícias organizadas pelos fazendeiros se enfrentaram. “Dávamos apoio a essas manifestações e aos poucos fui conhecendo o pessoal que fazia parte do movimento”.
Em 1996, ocorreu o massacre de Eldorado do Carajás. Sangue, retaliações, violências. Maria Raimunda sentia que havia algo se modificando dentro dela e na situação agrária do Pará. Em 1998, ingressou no MST e, de cara, foi enviada a Belém para atuar no escritório político da organização. Ficou seis anos em Belém. Acompanhou de perto as tensões envolvendo os assentamentos João Batista, em Castanhal, distante a duas horas de carro de Belém, e as diversas ações de despejo e resistência do assentamento Mártires de Abril, no distrito de Mosqueiro. Tornou-se forte, acostumada à tensão e à resistência.
“Em Marabá ficou mais pesado. As ameaças são mais fortes. E é uma ameaça a toda luta. Os fazendeiros ‘fazem o serviço’. Eles querem ver o sangue derramar. Várias vezes eu recebi avisos de que poderia morrer. Muitas mensagens, gente dizendo para me cuidar, não viajar à noite, evitar ônibus, barzinhos, a não me expor”. Às vezes o telefone toca e do outro lado só o silêncio ou uma respiração profunda. Pressão psicológica.
E há a pressão oficial. Desde 2006, Maria Raimunda assumiu a direção do MST. Todos os processos de ocupação de terra, todos os embates e confrontos com a polícia, fazendeiros ou mesmo com a Justiça, têm o nome dela à frente. Por conta disso, já teve pelo menos três prisões decretadas. “Tive de passar três meses foragida, de canto em canto, com a minha prisão preventiva decretada na região”.
A última foi no governo petista de Ana Júlia Carepa, depois do fechamento de pista na Curva do S, local do massacre de Eldorado do Carajás, em protesto contra as milícias armadas nas fazendas do controverso banqueiro Daniel Dantas, espalhadas pelo sudeste do Pará.
Mas ela diz que sente ainda mais medo quando a situação parece mais tranquila. “Quando baixa a poeira dessas tensões é que eu tenho mais medo. É na calmaria que os pistoleiros agem mais, quando estamos de guarda baixa. Mas o que a gente pode fazer? Não dá para parar a vida, deixar de viver. Tem que seguir em frente e é isso que eu faço”, explica. (Ismael Machado, Diário do Pará/Agência Pública)

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