terça-feira, 9 de junho de 2009

Réu era Curió, mas ditadura foi a júri

Mesmo assim, ele acabou absolvido

Símbolo da repressão militar, o araponga da reserva Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o Major Curió, sentou no banco dos réus (dia 5), no fórum da cidade satélite de Sobradinho, acusado de matar pelas costas, em fevereiro de 1993, um menor e ferir outro na mão. As vítimas – dois irmãos – teriam invadido uma chácara do oficial. O julgamento virou, por via indireta, um juízo do regime militar.

A estratégia da defesa e da acusação em expor o passado do réu no combate à Guerrilha do Araguaia, nos anos 1970, transformou Curió no primeiro oficial a ser "julgado" em tribunal de júri por crimes cometidos na ditadura.

Augustino Veit, representante da esquerda e assistente de acusação, e a defesa de Curió deixaram de lado os dados do processo da morte do menor Laércio Xavier da Silva, de 14 anos, e a lesão contra Leonardo Xavier da Silva, à época com 13 anos, para falar da atuação do agente no combate à guerrilha no Bico do Papagaio, na divisa do Pará com Tocantins.

O primeiro a pronunciar a palavra "Araguaia" foi Veit, que no governo Lula chefiou a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. Ele sustentou que os menores eram "servos" de oficiais que tinham chácaras no condomínio Sobradinho dos Melos.

Veit gastou parte de seu tempo para falar da biografia de Curió, do combate aos guerrilheiros a conflitos com padres na década de 80.

O jogo foi desempatado pelo Ministério Público. Para surpresa de Veit, o promotor público Jonas Pinheiro criticou a estratégia dele de tentar julgar a "lenda do Major Curió" em vez de julgar o "fato".

Depois de argumentar que, pelos autos, o agente da reserva prestou socorro aos menores e não tinha intenção de eliminá-los, Pinheiro disse que era "nazismo" e "tribunal de exceção" condenar Curió para satisfazer as "ruas". "Para uns ele foi bandido, para outros, o homem que exterminou a bandalha e o que somos é graças à contrarrevolução. Há quem diga que, para o bem deste país, ele lutou contra o terror, e é por isso que querem condená-lo", disse. "Mas não é o passado de alguém que deve vir ao júri. É o fato. Não contem comigo para esta sujeira".

Diante da juíza Josélia Lehner Fajardo, Curió sustentou a mesma versão que apresentou há 16 anos – ele teria acompanhado dois policiais militares numa perseguição aos menores que cometiam pequenos furtos no condomínio. Por volta de 23 horas, os perseguidos deram dois tiros. Curió reagiu com outros três disparos com uma bereta. Minutos depois, os policiais encontraram, num matagal, Laércio de bruços e Leonardo sentado e com a mão ferida. Os adolescentes foram levados, ainda segundo a versão do réu, vivos para o hospital. "Se eu tivesse intenção de matar, eu não teria socorrido".

O ex-agente surpreendeu o júri ao admitir que conhecia as táticas de uma guerra suja. "Não posso negar que sou um especialista", confessa. "Como especialista, se eu quisesse maquiar os fatos, eu teria colocado um revólver na mão de um menor. Mas eu não mexi na área do ocorrido. Se eu quisesse criar obstáculos para a Justiça, eu teria eliminado a única testemunha e desaparecido com o corpo. Isso seria mais um crime impune da polícia".

O promotor pediu a absolvição. Os sete jurados absolveram Curió por 4 votos a 3 das acusações de homicídio duplamente qualificado e de lesão corporal. (Do Estadão, enviado por Rogério Almeida)

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