quinta-feira, 25 de junho de 2009

O fim do Senado precisa ser discutido (III)

Continuação da entrevista com Dalmo Dallari concedida a Flávia Tavares e publicada no jornal O Estado de S.Paulo (21-06-2009).

Flávia Tavares – Seria uma instância a menos de decisão e de discussão de leis?

Dalmo Dallari – Sim, mas na Câmara a representação é proporcional. Ali, aquela regra "um eleitor, um voto" realmente vale. Ao passo que no Senado, como todos os estados têm o mesmo número de senadores, aqueles que têm um número muito menor de eleitores têm o mesmo peso que os que têm um grande eleitorado, o que é antidemocrático e quebra o princípio da igualdade. O que vai garantir a democracia é que haja a transparência no Legislativo e maior participação do povo. As instâncias de decisão não precisam ser "para cima", podem ser "para baixo", com organizações da sociedade civil, associações, universidades. Também poderia ser mais usado o instrumento do plebiscito, da consulta de prioridades.

FT – O Brasil tem um trauma de déficit democrático que foi o período da ditadura. Eliminar uma instituição democrática não é uma medida drástica demais?

DD – Haverá resistência, por isso essa proposta tem de ser amplamente discutida, para que as pessoas façam uma reflexão e percebam que não há ameaça na introdução de mudanças que, bem ao contrário disso, depuram a democracia. Antidemocrático seria eliminar o Legislativo. Aliás, eu como jurista não posso perder de vista o que diz a Constituição. Ela estabelece como princípio a separação dos poderes e diz que haverá um Legislativo, um Executivo e um Judiciário, mas não exige um Legislativo bicameral. O princípio democrático é um Legislativo eleito pelo povo, mas a par disso a Constituição afirma a igualdade de todos, e o Senado é a expressão da desigualdade.

FT – O senador Cristovam Buarque sugeriu há algum tempo um plebiscito para se questionar a existência do Congresso, o que causou um estardalhaço enorme.

DD – Ele disse que o Congresso estava de tal forma desmoralizado que, se perguntássemos ao povo, talvez ele dissesse que seria melhor fechá-lo de uma vez. Essa ideia soou de uma forma errada, mas ele é um democrata. Isso mostra que o Brasil não tem ambiente para que se proponha o fim do Senado, não neste momento. Mas é preciso iniciar essa discussão, levantar a ideia, provocar o interesse. O assunto tem que ser discutido nas universidades e nas associações de maneira geral.

FT – Sarney disse que a crise não é dele, mas do Senado. Como o senhor analisa essa declaração?

DD – Ele só se esqueceu de que o Senado é o conjunto de senadores. Há sem dúvida uma crise individual também. De uma geração para outra, é preciso que se adote um comportamento diferente. É o caso ACM: o neto está longe de exercer a ascendência do avô e não há nenhuma perspectiva de que ele conquiste o mesmo poder. Isso deve acontecer também nos outros estados e daqui para frente vai ser cada vez mais difícil manter essa dominação absoluta, até mesmo porque a imprensa está fazendo denúncias e ajudando a conscientizar a população.

FT – Houve senadores que foram fundamentais na história do país?

DD – Sim, já tivemos grandes figuras lá. No período monárquico, posso citar Barão do Rio Branco, que trabalhou muito para definir o Brasil como um estado soberano. Rui Barbosa contribuiu imensamente para a instalação do sistema republicano no país. E Afonso Arinos, grande personagem político desde 1946, assessorou Ulysses Guimarães quando Tancredo morreu e houve um temor de que os militares voltassem ao poder. Mas o Senado como instituição nunca foi crucial. Eu diria que o Legislativo é essencial, não o Senado. Atualmente, existem senadores absolutamente respeitáveis, mas que são figuras isoladas. Além disso, há muitas pessoas competentes e bem intencionadas que se recusam a entrar para a política, justamente para não se desmoralizar ou para não se verem obrigadas a fazer concessões.

FT – Nesse sentido, não seria mais importante moralizar a política do que fechar uma Casa?

DD – Unificar o Legislativo é um dos passos para a moralização da política. Não há razão política, no sentido próprio da expressão, que justifique a existência do bicameralismo. E não há um caminho imediato de moralização, é um trabalho de longo prazo. (continua)

Um comentário:

José Nery disse...

Prezado Waldir,

É preciso desmontar a máfia do Senado

A prolongada e grave crise ética do Senado é um espelho dos problemas não resolvidos pela democracia brasileira. Formalmente somos um país que exercita periodicamente a consulta ao povo para eleger seus representantes. Na verdade, o financiamento privado das campanhas eleitorais, a cultura patrimonialista enraizada na máquina estatal e a impunidade dos delitos contra o erário público dão contornos elitistas e incompletos para esta democracia. O predomínio do poder econômico nas definições políticas, seja elegendo diretamente afilhados políticos, seja por meio de eficientes lobbys, destrói a legitimidade das decisões do Parlamento brasileiro.


A recente crise que arrasta o Senado para o mais profundo desgaste político é fruto deste contexto. Agrega-se a isto a existência de uma azeitada máfia, incrustada nos principais setores administrativos, que cresceu com o apoio e ou omissão de seguidas mesas diretoras. A edição de atos secretos é apenas um pedaço do iceberg. Temos todos os contratos de prestação de serviços terceirizados sob suspeita e até a concessão de empréstimos consignados foram afetados pelos esquemas de corrupção.



Em termos gerais a crise ética precisa ser enfrentada com uma profunda reforma política que, entre outras mudanças, estabeleça o financiamento público de campanha, formas de participação direta dos cidadãos nas decisões do Parlamento e total transparência de seus atos para a sociedade.



É preciso reverter a cultura de impunidade, desenvolvendo uma verdadeira operação mãos limpas, começando a mandar para a cadeia os corruptos provisoriamente presos pela Polícia Federal e soltos em seguida pela Justiça. A sociedade não voltará a acreditar no Estado sem uma demonstração de que os poderosos também podem ser punidos.



A crise imediata do Senado passa pela saída do atual presidente da Casa, senador JOSÉ SARNEY, que não possui condições políticas para continuar dirigindo a Casa e tem vínculos estreitos com os principais acusados de pertencer a máfia ali instalada. As constantes denúncias envolvendo nomeações irregulares de familiares do presidente Sarney tornaram ingovernável a sua gestão.



Passa também pela instalação imediata de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a fundo, quebrar o sigilo bancário e telefônico de todos os servidores envolvidos e descobrir todos os vínculos da máfia, inclusive com senadores. O resultado dessa investigação deve orientar uma profunda reforma administrativa na Casa, além da adoção de medidas transparentes que permitam maior controle da sociedade sobre exercício da atividade parlamentar.



Infelizmente a trajetória anterior do Senado foi de não punir e nem de investigar a fundo. A ação que desenvolvemos para cassar os mandatos de senadores envolvidos em fatos que caracterizavam quebra de decoro parlamentar foi abortado pela cultura da impunidade.



Espero que a atual crise sirva de lição. O Senado Federal só tem importância para a sociedade se conseguir aproveitar a atual crise e desmontar por completo a verdadeira máfia que se instalou no seu interior. É bem provável que esta máfia tenha laços com senadores, por isso cabe apuração rigorosa de todos os fatos e punição exemplar dos envolvidos, sejam eles servidores ou parlamentares. É o mínimo que a sociedade espera.



[Publicado no JB, 24/06/2009]



José Nery Azevedo é senador (PSol-PA)