terça-feira, 19 de maio de 2009

Cada um com seus problemas

CRÔNICAS DO PC

Não gosto de casa alheia. É de mim mesmo, orientação que vem de berço. Meus pais assim me educaram. Evita-se, dessa maneira, certos constrangimentos e aborrecimentos. No entanto, temos de levar em consideração a normalidade da vida social, obrigando-nos a nos relacionar da melhor maneira possível, para não sermos mal educados. Pode ser no bairro com os vizinhos, no trabalho com os colegas, ou em qualquer ambiente de grupo. Só assim poderemos viver como gente civilizada, integrados e solidários. É quase impossível se viver isolado. Não é próprio do ser humano, a não ser de quem sofre de misantropia.

Em um fim de semana, fui convidado para almoçar na casa de um casal amigo, Bento e Elvira. Ele é um cara legal, sempre alegre e ativo. Discreto, não se queixa de nada, nem disso, nem daquilo, não se importando com a vida de ninguém. Ela, de educação fina, culta, tratável com as pessoas, principalmente aquelas ligadas ao marido, demonstrando ser esposa de extrema dedicação ao companheiro.

Falo a verdade. Tanto de um como do outro; nada tenho de que me queixar. Bento e Elvira para mim são excelentes pessoas. O que me deixou reparando, meio sem jeito, foi o bate-boca dos dois, discutindo por besteira, disfarçando, falando baixo para eu não observar.

Postei-me na sala entretido, vendo um filme épico no DVD. O casal não se entendia e discutia, entrava no quarto, ficava na sala, na cozinha, reclamando um do outro, não ligando para minha presença. Não tenho culpa. Meus ouvidos são muitos aguçados, memória excelente, capaz de gravar tudo na cachola para lembrar-me depois. Foi o que fiz para escrever essa crônica. Sempre Elvira falando:

“Seu idiota! Temos visita e você esquece de comprar cheiro verde. Explique-se!”

Bento apenas abriu os braços, dizendo: “Deixa pra lá, mulher, inventa outra”. Observação de minha parte, só pra mim: “Nem de tal verdura eu gosto”.

Elvira continuou tagarelando: “A conta do telefone está vencida, não tem crédito no celular, falta Coca-cola na geladeira, a pia do lavatório continua entupida. Para completar, minha mãe não apareceu. Você foi grosseiro com ela!”

“Eu, tratar mal minha sogra? Nem pensar! Uma santa mulher não se maltrata!”

Elvira notou a falsidade do marido e retrucou: “Pura ironia de sua parte!”

“Não seja injusta, mulher. A senhora sua mãe é conhecida por ser de uma ‘finura’ sem igual. Pergunte ao açougueiro, ao verdureiro, ao padeiro, aos vizinhos da frente, até mesmo ao padre Leopoldo, vigário da cidade. Todos serão unânimes em fazer o sinal da cruz, quando a encaram. E “filho de peixe peixinho é”.

Alteração entre os dois. Elvira sentiu-se ofendida e partiu para o revide.

“Sua mãe também não é boa bisca. Pisa o velho seu pai, machucando-o. De mim, fala para os outros que sou almofada, só porque tenho essa barriguinha. Chega ao cúmulo, segundo termo usado por ela, de mandar observar o tamanho volumoso dos meus dois úberes, comparando-me com uma vaca. Pode?”

De saco cheio, não suportei o bate-boca e pedi paz. O casal me atendeu, pedindo desculpa, ficando sentado pertinho de mim. Não discutiram mais. Ao contrário, deram-se as mãos.

Elvira aproveitou para fazer um pedido: “Quero trocar de carro e fazer uma plástica em meus seios. Você concorda?”

“Claro, meu amor. Não posso lhe faltar. Quero lhe ver feliz e corpo moldado, tudo nem feitinho e nos conforme”.

Abraçaram-se e trocaram beijos, e eu ficando contente pela paz reinante no ambiente. O afago entre os dois continuou até eu me despedir ao cair da tarde.

Já dizia meu experiente pai há muitos anos atrás: “Suporte o instinto selvagem da mulher, que vem desde a idade da Pedra Lascada. Para tudo ficar bem, basta o homem ter a capacidade de explorar seu desejo de consumo e a vaidade de ser mulher perfeita!”

Pedro Cláudio M.Reis (PC) / E-mail: pcmourareis@yahoo.com.br

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