terça-feira, 17 de março de 2009

Um solteirão, uma solteirona, um casamento

CRÔNICAS DO PC

A notícia correu solta pela cidade, dando conta do noivado do catalão Gaspar Bolero e Parras e Ana Brito Curvelo, ou dona “Cocota”, como é chamada, causando grande admiração em todos aqueles que os conheciam. Verdade!

Tratava-se de dois solteirões convictos, que nunca quiseram saber nem de namoro, quanto mais de casamento. Ele acabara de completar 52 anos, e vivia recolhido, na companhia de três irmãs mais velhas, lutadoras incansáveis em tempos passados, à procura de um homem ideal para fazer par legal, mas nunca encontraram e ficaram no caritó, orgulhosamente afirmando: “Nossa satisfação é que somos virginhas da silva”.

Nem titias eram, porque, dos irmãos, ninguém ousou casar-se ou adquirir filhos fora do matrimônio, por ser “imoral” e pecado mortal, segundo eles, católicos praticantes de primeira linha.

Dona Cocota era professora aposentada. Não informava a idade, mas os mais curiosos deduziam ter ela uns 53 anos, por ter sido colega do prefeito da cidade no período da construção de Brasília e, finalmente, sua inauguração em 1960.

Só não aparentava ter tantos janeiros porque sabia viver, utilizando os meios de conduta orientada para se conservar sempre saudável. Adepta da macrobiótica, sua alimentação dispensava carnes e gorduras; só comia frutas e verduras, além de fazer exercícios físicos, conservando o corpo numa boa. Maquiava-se tão bem que aparentava ter no máximo 40 anos, vistosa e “boazuda”. Por outro lado, ficou conhecida como mulher séria, de moral, nunca dando chance a homem nenhum tirar qualquer casquinha de seu esbelto corpo.

Quanto ao noivo Gaspar Bolero e Parras, ninguém tinha nada a revelar sobre sua conduta; apenas os falastrões, linguarudos, achavam esquisito um homem nunca se aproximar de mulher, nem mesmo de brincadeira e dificilmente não ser “boiola”, além da bagagem expressa no andar, fala, postura e trejeitos duvidosos, acompanhados de requebros salientes de quem não é macho de verdade. Deixa pra lá! Gaspar pode muito bem ter sido homem de verdade. A prova ficou em resolver se casar.

De fato, aconteceu. Ele e a professora dona Cocota, em uma tarde de sábado chuvoso, subiram ao altar dispostos a se unirem pelo matrimônio. Preferiram um casamento simples, discreto, presente apenas as testemunhas e familiares.

A lua de mel, os dois passaram em uma espetacular vila litorânea, na suíte de um hotel cinco estrelas, que ficava de frente para o mar. Ficaram uma semana numa boa, divertindo-se, e na certa, amando-se, como manda a tradição de botar em dia a escrita de casal em lua de mel, naqueles momentos inesquecíveis, que os antigos chamavam romanticamente de amor a dois esplendido. Nesse período, aproveitaram ao máximo a situação, até regressarem à cidade de origem, radiantes de felicidade.

Ninguém se atreveu mais a duvidar da masculinidade de Gaspar Bolero, porque, quando ele se apresentava em público, acompanhado da consorte, costumava pronunciar, em alto e bom som, frases românticas faladas em sua língua pátria: “Es mi alma gemela”; “no puedo vivir sim a ti”; “hola mi amor”, e assim por diante, sempre se fazendo notar, agarradinho com sua esposa, no maior amor do mundo.

Isto é, até aquela tarde no recinto de um conceituado restaurante. Só foi um dos cozinheiros da casa avistar Gaspar Bolero e ficar exaltado, perdendo a compostura e dirigindo-se a ele cheio de frescura, naquela de por as mãos da cintura para indagar:

- Que é isso, meu bem? Esqueceu o passado?

E voltou para o trabalho, fazendo muxoxo.

Gaspar continuou sendo um bom marido. Dona Cocota afirmando que ele nunca deixou de cumprir com suas obrigações, tanto de excelente companheiro como de homem normal, jamais fracassando nas missões dos momentos aconchegantes, e que os mais entendidos afirmam ter ficado para quem realmente tem virilidade.

No parachoque do carro do ano, ele sempre escrevia em letras garrafais: “Eu sou macho!”.


Pedro Cláudio de M.Reis (PC) / E-mail: pcmourareis@yahoo.com.br

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