segunda-feira, 2 de junho de 2008

Coronel Curió saiu do armário? (parte 2)

Luiz Carlos Antero

Botim privado
Essa evidência factual (examinada em diversos textos nossos, em especial na 4ª edição da revista da Guerrilha do Araguaia) revisita bem mais que a convicção “gloriosa” da impunidade – emblemática na desenvoltura do principal quadro militar protagonista do massacre de dezenas de combatentes e de centenas de moradores da região do Bico do Papagaio. Tal evidência se desdobrou desde 1980 no controle aurífero da região de Serra Pelada, quando o coronel Curió foi nomeado interventor do garimpo pelo então general plantonista na Presidência da República, João Baptista Figueiredo.

Num mórbido domínio de mais de 80 mil homens, os quais manipulava física e psicologicamente, em 1982 Curió chegou a emplacar um mandato de deputado federal a soldo de terras e ouro, exercido de 1983 a 1987. Nesse período, manteve confronto com o também deputado José Genoíno, acusando-o da delação de destacamentos, de guerrilheiros, de áreas de recuo e refúgio, dos seus depósitos de alimento etc., levando para o plenário da Câmara dos Deputados um debate enviesado sobre a Guerrilha. Genoíno, aquém disso, não seria o seu mais adequado interlocutor, visto que saíra do PCdoB anos antes, ainda que eleito em São Paulo numa condição virtual de ex-guerrilheiro.

Se havia um propósito estratégico do PCdoB, como hoje se pretende afirmar desde a memória do comandante Mauricio Grabois, os adversários também tinham objetivos claros – atestados nessa controvertida “ponte” entre o fim da guerrilha e ações subseqüentes na story line de Curió.
A distinção, claro, estaria na dimensão e no conteúdo dos propósitos estratégicos: um deles voltado para a emancipação nacional e social do País e de seu povo; o outro, inconfessável, voltado para o botim privado das nossas riquezas territoriais. Na versão divulgada pelo coronel Curió, “a estratégia de longo prazo traçada pelos comandantes da guerrilha para sustentar o território independente que os comunistas pretendiam criar, eram as minas de ouro, diamante, cristais e o manganês do subsolo das serras da confluência entre Pará, Tocantins e Maranhão”.

“Osvaldão: governador do Pará”
A versão do militar se assenta em determinados depoimentos. O ex-guia do Exército, João Pereira da Silva, ainda hoje informante do coronel Curió (verifica entrada e saída de estranhos no antigo porto de Apinagés, nas margens do Rio Araguaia, a 13 quilômetros da cidade de São Domingos do Araguaia), teria trabalhado desde 1964 ao lado do comandante guerrilheiro Osvaldo Orlando da Costa, o Osvaldão, escavando cascalho no garimpo de diamantes de Itamirim, antiga localidade de São João do Araguaia, atualmente município de Brejo Grande; e, mais tarde, na localidade de Tabocão, em Palestina do Pará, em busca de cristais, sem (à época) conhecer nenhuma informação sobre a guerrilha.

Para dar credibilidade ao que afirma, o informante de Curió cita de memória o que seria o número e data do decreto de concessão de lavra que pertenceria a Osvaldão. ''É o 74.509 e estava registrado no 5º distrito do DNPM em Belém desde 1969 em nome da Xingu. A concessão era do Osvaldão e da Dina (NR: a geóloga Dinalva Conceição Teixeira – que os garimpeiros do Sindicato de Serra Pelada dizem ter descoberto um kimberlito, a rocha matriz do diamante). Acho que os papéis sobre a empresa ficaram com os militares''.

Em 1971, um ano antes do ataque à área do PCdoB (e aí se revela que a ofensiva “legalista” foi longamente preparada), o mesmo Silva seria cooptado sob ameaça de morte. Caçador, garimpeiro, comerciante de peles e castanha – no perfil de Osvaldão –, se transformaria num mateiro de confiança dos militares pelo conhecimento da dimensão e da ousadia do planejamento comunista. Por isso, relatórios da “comunidade de informações”, a partir da sua narrativa, atribuiriam a Osvaldão o autotítulo de “governador do Pará”. (Continua)

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