quarta-feira, 28 de maio de 2008

Coronel Curió saiu do armário?

Luiz Carlos Antero

Em todas as ocasiões que rompeu o silêncio acerca da Guerrilha do Araguaia, o mais destacado membro da comunidade de informações da ditadura, o coronel do Exército Sebastião Rodrigues de Moura, o Curió (ou “Dr. Marco Antonio Luchini”, do “Incra''), se manteve nos limites do diversionismo, mencionando, aqui ou acolá, detalhes da operação de extermínio determinada pelos generais Emílio Garrastazu Médici, Orlando e Ernesto Geisel. Sempre travestido com ares de muita importância, tratou invariavelmente de prover credibilidade às suas “revelações”.

Exemplo disso é a recente declaração que busca desqualificar a identificação de Maria Lúcia Petit — pois, como que a confirmar o que dizia Médici, Curió seria a única fonte militar autorizada em assuntos da Guerrilha. Essa noção se reafirma quando ele reitera a apropriação dos arquivos “secretos” das FFAA acerca do conflito, acenando para os familiares como a única “tábua de salvação” para os que desejam enterrar dignamente seus mortos.

Entretanto, nada do que ele possa dizer, terá a força para mudar a essência da História, ilustrada pelos balaços que, juntamente com o coronel Lício Maciel, levou de uma outra guerrilheira, Lúcia Maria de Souza: “Guerrilheira não tem nome, tem causa, seu f.d.p.”, disse “Sônia” antes de ser covardemente metralhada. Seu corpo foi abandonado no Igapó do Taboão, como era conhecida a área do “chafurdo” (jargão militar da “guerra suja” que identificava os combates travados).

Curió, diz hoje que “queria ter enterrado a guerrilheira Sônia com honras militares”. Admite, entretanto, que metralhou uma prisioneira e não saberia onde encontrá-la para atribuir-lhe tais honras: “Deixei o corpo dela para trás porque eu estava ferido, ela tinha me acertado com um tiro no braço e atingido o rosto do Lício (comandante da tropa). Tínhamos que buscar socorro”.

É esse o eminente representante da tropa a quem coube a tarefa de guardião da postura e dos segredos militares no combate à Guerrilha?

“Heróicas” lembranças
Não por acaso, quando são maiores as pressões (sociais e, neste caso, também judiciais) pela revelação dos arquivos, é ele quem resolve (ou é escalado para) “sair do armário” trazendo consigo “59” (e não 60 ou 61) comunistas insepultos. E, externando a versão que será definitivamente adotada acerca da desastrosa intervenção militar que violou todos os princípios da Convenção de Genebra e do Código Militar, em especial quanto à honra em combate e ao tratamento dos prisioneiros de guerra.

Como, no início dos anos 1970, não fora deflagrado nenhum ato beligerante no Sul do Pará e aconteceu um ataque massivo das FFAA com gigantesca (e inédita desde a 2ª Grande Guerra) mobilização de tropas contra o povo da região, seria necessário apresentar à sociedade e à própria história oficial do País algo bem mais digno e convincente que a idéia de uma “guerra suja”. Ou no estilo do incômodo imbróglio da Guerra do Paraguai — o “heróico” genocídio de paraguaios e brasileiros que perdurou por cinco anos, apoiado pelos ingleses e sob o comando do marechal Duque de Caxias e outras eminências castrenses, no qual a destruição dos vestígios de opulência do pais vizinho ocasionou imensos prejuízos financeiros e morais também para o Brasil.

Pois, é sempre adequado lembrar que a Guerrilha do Araguaia foi iniciada pelos militares em abril de 1972 e que, apesar da preparação ainda preliminar e da precariedade dos armamentos dos guerrilheiros, teve uma duração inesperada para os generais. Mormente essa façanha que, sem arrogância, sustentou uma resistência desgastante de três anos para o regime, elevando o tom do seu pânico quanto às “diabruras” comunistas, esta foi uma guerra jamais reconhecida no panteão oficial e nenhum combatente foi julgado como tal. Nem o hediondo massacre da Lapa, dois anos após, coloriu o amarelamento castrense, pois João Amazonas e outros dirigentes continuavam à solta.

Nas entrevistas e reportagens veiculadas nos últimos dias pela revista Isto É, Jornal do Brasil e Gazeta Mercantil, entre diversas outras, Curió anuncia a publicação de um livro e, numa delas (GM, 05.05.2008), trata da referida questão de fundo que determinaria a extensão e profundidade da violência do regime militar contra os guerrilheiros do PCdoB: a possibilidade estratégica de uma zona liberada num espaçoso território rico em minérios — alvo da cobiça do grande capital.

Na trajetória dessa operação, a privatização da CVRD (Companhia Vale do Rio Doce) ou a criação do Estado de Carajás teriam lugar colateral à linha das tarefas subseqüentes assumidas pelo coronel Curió. Leia artigo completo aqui. Mais aqui e aqui.

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